CARTA AO EDITOR, Há catorze anos, numa noite de verão no Passeio Publico, em frente de duas chávenas de café, penetrados pela tristeza da grande cidade que em torno de nós cabeceava de sono ao som de um soluçante pot-pourri dos Dois Foscaris, deliberámos reagir sobre nós mesmos e acordar tudo aquilo a berros, num romance tremendo, buzinado à baixa das alturas do Diário de Noticias.
Para esse fim, sem plano, sem método, sem escola, sem documentos, sem estilo, recolhidos à simples «torre de cristal da Imaginação», desfechámos a improvisar este livro, um em Leiria, outro em Lisboa, cada um de nós com uma resma de papel, a sua alegria e a sua audácia.
Parece que Lisboa efetivamente despertou, pela simpatia ou pela curiosidade, pois que tendo lido na larga tiragem do Diário de Noticias o Mistério da Estrada de Sintra, o comprou ainda numa edição em livro; e hoje manda-nos V. as provas de uma terceira edição, perguntando-nos o que pensamos da obra escrita nesses velhos tempos, que recordamos com saudade…
Havia já então terminado o feliz reinado do senhor D. João VI. Falecera o simpático Garção, Tolentino o jucundo, e o sempre chorado Quita. Além do Passeio Publico, já nessa época evacuado como o resto do país pelas tropas de Junot, encarregava-se também de falar às imaginações o Sr. Otave Feuilet. O nome de Flaubert não era familiar aos folhetinistas. Ponson du Terrail trovejava no Sinai dos pequenos jornais e das bibliotecas económicas. O Sr. Jules Claretie publicava um livro intitulado… (ninguém hoje se lembra do titulo) do qual diziam comovidamente os críticos: - Eis aí uma obra que há de ficar!… Nós, enfim, eramos novos.
O que pensamos hoje do romance que escrevemos há catorze anos?… Pensamos simplesmente - louvores a Deus! - que ele é execrável; e nenhum de nós, quer como romancista, quer como critico, deseja, nem ao seu pior inimigo, um livro igual.