CAPÍTULO II Daí a dez dias o conde chegou; partimos para Portugal. Durante esse tempo que ainda estive com Ritmel em Paris, nem eu traí as minhas dúvidas, nem ele mostrou preocupações alheias aos interesses do nosso amor.
Vim para Lisboa; recebia regularmente cartas dele. Estudava-as, decompunha as frases palavra por palavra para encontrar a oculta verdade do sentimento que as criara. E terminava sempre - meu Deus! - por descobrir uma serenidade gradual no seu modo de sentir. Ritmel escrevia-me com muito espirito e com muita logica para poder pôr o coração no que escrevia. Evidentemente o seu amor passava da paixão para o raciocínio. Criticava-o: prova de que não estava dominado por ele. Tinha até já palavras engenhosas e literárias. Valia-se da retorica! Ao mesmo tempo a sua letra tornava-se mais firme; já não eram aquelas linhas tortas, convulsivas e arrebatadas que palpitavam, que me envolviam… Era um infame cursivo inglês, pausado e correto. Já me não escrevia como dantes em papel de acaso, em folhas de carteira, em pedaços de cartas velhas, que denotavam as inspirações do amor, os sobressaltos repentinos da paixão: escrevia-me em papel Maquet, perfumado! Pobre querido, o que o seu coração tinha de menos em amor tinha de mais o seu papel em marechala!
E eu? É talvez ocasião de falar aqui do meu sentimento. Duvidei faze-lo. Não queria colocar o meu coração sobre esta página como numa banca de anatomia. Mas pensei melhor. Eu já não sou alguém. Não existo, não tenho individualidade. Não sou uma mulher viva, com nervos, com defeitos, com pudor. Sou um caso, um acontecimento, uma espécie de exemplo. Não vivo da minha respiração, nem da circulação do meu sangue: vivo abstratamente, da publicidade, dos comentários de quem lê este jornal, das discussões que as minhas mágoas provocam.