CAPÍTULO IV E quanto, quanto sofri então, na modéstia da minha vida, no apartamento do meu segredo! Quanto desejei ser uma pobre costureira que leva o seu filho pela mão!
Dentro do meu coupé, puxado a largo trote à saída do teatro, envolvida num cachemire, com uma pele de marta nos pés, e um aroma doce na seda das almofadas, quantas vezes invejei as pequenas burguesas que saíam das torrinhas, embrulhadas em disformes mantas de agasalho, pisando a lama!
No dia em que recebia cartas dele, saía de Lisboa, fugia, ia para o campo! Levava-as, amarrotadas e beijadas, ia para a quinta de…, penetrava nas sombras espessas, ali ficava, longo tempo, envolta no calor tépido do sol, entorpecida pelo rumor sereno das ramagens, e pelo murmuroso correr da água nas bacias de pedra!
Oh doce vida das árvores e das plantas! passividade da relva, irresponsabilidade da água, pacífico sono dos musgos, suave pousar da sombra! quantas vezes me consolastes, e me ensinastes a sofrer calada! quantas vezes invejei a imobilidade do vosso ser!
Era ali, só, relendo essas cartas cruéis, que eu sentia o amor daquele homem fugir-me como a água de um regato que se quer tomar entre os dedos.
Que me restaria então?
Voltar outra vez à serenidade legítima da vida? Não podia, ai de mim! estava para sempre expulsa do paraíso pacífico da família, da casta sombra do dever. Lançar-me nas aventuras e na revolta? Meu Deus! isso repugnava tanto ao meu carater como o contato de um animal viscoso à pele do meu peito.
Ficava pois sem situação na vida. Não tinha nela um lugar definido. Entrava nessa legião dolorosa e tristemente miserável - das mulheres abandonadas.
A minha única honestidade agora devia ser conservar-me cativa daquele sentimento.