CAPÍTULO III Talvez estranhe, senhor redator, a escrupulosa minuciosidade com que eu conto estes fatos, conservando-lhes a paisagem, o diálogo, o gesto, toda a vida palpável do momento. Não se admire. Nem tenho uma memória excecional, nem faço uma invenção fantasista. Tenho por costume todas as noites, quando fico só, apontar num livro branco os fatos, as ideias, as imaginações, os diálogos, tudo aquilo que no dia o meu cérebro cria ou a minha vida encontra. São essas notas que eu copio aqui.
Á mesa do almoço estavam já sentados os passageiros. O nosso lugar era ao pé do capitão. O comandante do Ceilão era um homem magro, esguio, com uma pele muito vermelha, donde saíam com a hostil aspereza com que as urzes saem da terra, duas duras suíças brancas.
Ao seu lado sentavam-se duas excêntricas personalidades de bordo: o Purser, que é o comissario que vela pela instalação dos viajantes e pelos regulamentos de serviço, e Mr. Colnei, empregado do correio de Londres. O Purser era tão gordo que fazia lembrar um grupo de homens robustos metidos e apertados numa farda de marinha mercante. Mr. Colnei era alto e seco, com um imenso nariz agudo e enristado, em cuja ponta repousava pedagogicamente o aro de ouro dos seus óculos burocráticos. O Purser tinha uma fraqueza que o dominava - era o desejo de falar bem brasileiro. Tinha viajado no Brasil,
admirava o Maranhão, o Pará, os grandes recursos do império. A todo o momento se aproximava de mim para me perguntar certas subtilezas de pronúncia brasileira. Mister Colnei, esse, era gago e tinha a mania de cantar cançonetas cómicas. Os outros passageiros eram oficiais, que iam tomar serviço na India, algumas misses alegres e loiras, um clergyman com doze filhos, e duas velhas filantrópicas, pertencentes à Sociedade educadora dos pequenos patagónios.