Capítulo XIV Por fim acontecera. Chegara a esperada mensagem. Pareceu-lhe que a vida toda estivera à espera daquilo.
Caminhava pelo longo corredor do Ministério e estava quase no local onde Júlia lhe metera o bilhete na mão quando percebeu que o seguia alguém, mais encorpado que ele. Essa pessoa, fosse quem fosse, tossiu um pouco, como um prelúdio à fala. Winston parou abruptamente e voltou-se. Era O'Brien.
Afinal encontravam-se face a face, e pareceu-lhe que o seu único impulso era fugir. O coração martelava furiosamente. Não conseguiria falar. O'Brien, todavia, continuara no mesmo movimento, colocando a mão por um momento no braço de Winston, de modo que agora caminhavam lado a lado. Começou a falar com a solene cortesia característica que tanto o diferenciava da maioria dos membros do Partido Interno.
- Tinha esperança de poder-te falar - disse. - Li outro dia no Times um teu artigo em Novilíngua. Tens um interesse de erudito na Novilíngua, não é?
Winston recuperara um pouco do seu autocontrole.
- Erudito, não. Sou um mero amador. Não é o meu forte. Nunca tive nenhuma interferência na construção do idioma.
- Mas o escreves com muita elegância - insistiu O'Brien. - E não é apenas minha opinião. Recentemente, conversei com um amigo teu, que é um perito. No momento, foge-me da memória o nome dele.
O coração de Winston tornou a pular, doloridamente. Era inconcebível que aquelas palavras não fossem referência a Syme. Porém Syme não estava apenas morto, fora abolido, era uma impessoa. Seria mortalmente perigoso fazer-lhe uma referência identificável. A observação de O'Brien deveria, evidentemente, ser tomada como sinal, código. Dividindo uma pequena crimideia, os dois tornavam-se cúmplices.