Enquanto o Deus dos deuses dormia a sono solto lá no alto do monte Ida, os gregos infligiam, cá em baixo, perdas terríveis ao exército troiano. Mas, ao cabo de algumas horas, o senhor do Olimpo despertou e o seu primeiro cuidado foi o de procurar com os olhos o campo de batalha. E qual não foi a sua surpresa perante o espectáculo que se lhes apresentava: os troianos, em fuga desordenada; e, no meio dos gregos, auxiliando-os no ataque e na perseguição, Neptuno, o deus do mar. Só então compreendeu Júpiter a cilada que lhe preparara a sua divina consorte. Furioso por se ter deixado lograr, saiu à sua procura e, lançando-lhe um olhar carregado, disse-lhe:
— Ah! Mulher fingida e trapaceira! Fizeste-me adormecer para mudar a sorte da batalha! Ousaste desobedecer às minhas ordens! Devias lembrar-te do castigo que de outra feita recebeste, ficando pendurada no espaço com duas bigornas nos pés e algemas nas mãos. Nem todos os deuses reunidos conseguiram dominar a minha cólera e nenhum teve coragem para me desafiar e socorrer-te.
Assim falou Júpiter. A venerável deusa baixou os olhos medrosa e, sem ousar encarar o esposo, respondeu-lhe:
— Juro pelas sagradas águas do Estígio que não tenho culpa que Neptuno esteja a ajudar os troianos. Se ele foi combater do outro lado, foi por sua livre e espontânea vontade. Se os gregos estão a vencer, não foi por eu os ter ajudado mas sim porque são mais valentes. E ei tens a explicação de tudo! Mas, se queres, eu mesma irei falar com Neptuno e lhe transmitirei as tuas ordens.
Desarmado pela astúcia de Juno, o pai dos deuses sorriu e disse:
— Está bem, minha querida. Façamos então as Fazes e, se as tuas palavras são sinceras, tudo se arranjará. Corre e vai chamar Íris e o arqueiro Apolo. Diz-lhes que venham sem demora, pois tenho ordens a dar-lhes. Ela irá ao encontro de Neptuno para lhe dizer que cesse imediatamente as hostilidades. E ele irá ter com Heitor para o reanimar, a ele e aos troianos, fazendo despertar-lhes o amor próprio. Aos gregos, infundir-lhes-á medo, para que fujam desordenadamente para junto dos navios de Aquiles. E podes ficar descansada, minha querida Juno, que o resultado disso tudo te vai causar uma grande satisfação. Pois, se até agora protegi os troianos, não foi porque os estimasse mais do que aos gregos, e sim para cumprir a promessa que fiz a Tétis, quando me veio suplicar que desagravasse seu filho Aquiles.