XVII - História do Gebo Para nada me importa a história banal que esse homem gasto conta, abalado pela dor, a suar de aflição...
Morta a mulher, o lar ficou gelado. Por onde a morte passa deixa muito tempo um frio de túmulo que transe os corações. A filha caíra a um canto sem palavra e o Gebo pôs-se a engordar e a chorar. Se tudo acabasse!...
Mas não, era preciso tornar à mesma vida de desespero, pisar sempre o mesmo chão, atrás de esmolas para a sustentar.
Nos dias, agora amiudados, de fome, já ninguém o esperava numa ânsia como outrora:
– E então? então? arranjaste?...
Sofia, essa pobre rapariga que da vida só conhecia aflições, não tinha para o Gebo nem más palavras, nem queixas. Amava-o. Aquele velho todo branco, gordo, e chorão, era o seu pai. Escondia as lágrimas para não o afligir.
– Não se consuma! não se consuma!
– Que há-de ser de ti se eu te falto, filha?
– Sempre havemos de viver. Há gente mais pobre.
– Acho que não! acho que não!...
Depois da morte da mãe, ela o cuidava como quem cuida um filho. E o Gebo de olhos postos em Sofia, embevecido, só sabia dizer, numa voz molhada de lágrimas:
– A minha filha! a minha pobre filha!...
Fazia falta a mulher, que o atirava para a vida, e muitos dias, sem um exaspero, sem um grito, embrulhado nos farrapos, quieto na enxerga, ele era como uma bola de gordura, donde corria um ruído de choro resignado e triste. Fazia-lhe falta aquela figura amarga. Se saía chegava-se a todos, pedindo pão, com os cabelos em pé e um ar desorientado, de doido, que fazia rir. Perdera a timidez. Arrastava-se pelos amigos, que o achavam pitoresco, sempre a carpir desgraças, aflito, cambado, exausto e cada vez mais pedinchão e mais gordo.
Divertiam-se.