XXII - A filosofia do Gabiru Oh descubro agora a torrente esplêndida que é a vida! É a emoção. Ela é o veio límpido onde as sedes se estacam. Liga os homens, prende-os – e o egoísmo afasta-os.
Todos os rios, como todas as vidas, vão desaguar ao grande atlântico de beleza. As criaturas humildes e simples têm uma existência como um fio corrente – água e lágrimas – mas sempre claro. A cólera, a ambição, os interesses turvam a vida, como a terra revolvida turva a água.
Amar os outros, sofrer pelos outros, viver para os outros, é tornar a existência simples, monótona e grande; é fazê-la parecida com as mantas grossas, duma única cor neutra, que agasalham os pobres.
O homem que tem emoção e que ama é sempre feliz: as coisas conhecem-no, as árvores são suas amigas.
Sente-se enternecido diante do mais ressequido calhau.
O que odeia, o ambicioso e o mau, passaram pela natureza como o homem na guerra: não viram nem ouviram. As coisas emudecem para eles. Nada lhe dizem, porque não sabem ouvir. Tu, que enternecido paraste diante dum sítio recolhido e simples, diante das desgraças alheias, tu, pobre, que tombaste na cova desprezado, roto, e a quem a terra recebe como a um amigo, tu que adormeceste no derradeiro sono quase consoladoramente, como morre tudo o que é simples, tu viveste... Comunicaste, pela piedade e pela emoção com a natureza inteira e o teu amor repartiste-o pelos mundos que rolam no infinito, por Deus, pelo homem, pela pedra.
Tu soubeste e pressentiste tudo.
O que é grande é sempre simples.
Desperta em ti a emoção para que possas dizer:
– Vivi!
Todo o homem que nasce deve ter um quinhão de terra – seu sustento e sua cova. O pão de cada dia deve granjeá-lo com o suor do seu rosto.