V - História do Gebo Por fim, na entrada desse frio e rigoroso inverno, já tinha vendido tudo. De envelhecido e gasto, di-lo-eis um trapo que se deita fora ou um doido de cabelos brancos estacados, a falar sozinho. Toda a gente o conhecia.
– Ó Gebo!
– Anh?
A mulher azedara com a pobreza e passava horas e horas a chorar, atirada para um canto, ou pregava dias inteiros em monólogos cheios de gritos, de sonho espezinhado, todos lavados em lágrimas. Se tudo acabasse!... Mas nem a Morte escuta os desgraçados, nem o tempo se apressa; vai moendo na sua mó as tristezas, as aflições e o pão negro. O desespero daquela criatura caía em impropérios sobre a cabeça do Gebo espantado, a suar, e a quem nem a própria desgraça conseguia empedernir o coração.
Todos os dias eram da mesma forma sombrios e tristes. Isto de chorar um dia e outro dia dá a impressão de que chove e se não sai do inverno. Outras vezes calavam-se, mas a discussão era talvez maior, era talvez pior... Existência sem cor, que se gasta fio a fio, em que a desgraça se assemelha à desgraça, os gemidos se não ouvem, em que cada um para o seu lado interroga a vida e as horas passam acinzentadas deixando-os todos três curvados, todos três absortos. Porque a vida interior nunca cessa, nem no sono – este monólogo com que a vamos comentando até ao fim, que não tem existência real e que é vivo e imenso. Nos homens e nos bichos.
Talvez também nas árvores. Nuns desvairado, noutros humildes, baixinho, quase pueril. A vida não é senão este monólogo furioso ou ridículo e mais dorido quando é concentrado e sem gritos... Mas ela não podia mais e irrompia:
– Deste, emprestaste a toda a gente. E agora?
agora? Riem-se de ti inda por cima, e ninguém te ajuda.