XV – Fala Falo. De súbito a minha vida surgiu-me como um desses dias de inverno pardos e monótonos, em que até o resquício de sonho que acaso coube em sorte às pedras se concentra adormecido. Secou-me na boca o riso que ia rir, e acudiram-me ideias em que nunca tinha reflectido... Alguém abala uma árvore até às suas últimas raízes. Arranca-a. O grito que a terra revolvida dá foi o meu grito.
Dêem-me a vida que devem viver os seres e as coisas a quem ninguém ensina a vida; que bebem a largos sorvos a existência: em quem a vida corre desordenada e esplêndida. Quero enfim isto: ser; não fingir, mas ser; não viver da tua vida, mas da minha própria vida.
O momento em que tu deparas, a sós com a tua alma, que até aí não tinham encontrado, toca a loucura – mas depois ouves falar dentro de ti tudo que estava para sempre adormecido...
O que é isto – o escárnio? Donde vem isto ao mundo? Riem porventura as árvores? E os montes e os rios também riem? O escárnio torce o coração. Riram-se de mim! riram-se de mim!
Surraram-me, secaram-me. O que eu sei é aprendido, vão, construído de palavras que não são minhas.
Nada conheço da vida.
O homem só é feliz quando é ele. Os outros é que o empurram para a desgraça. O homem precisa de se encontrar.
Entras na vida e modelam-te; mestres, amigos, livros, amassam-te e modelam-te. Para quê? Para te fazerem feliz – dizem. Deixem-me ser desgraçado à minha vontade!...
Qualquer árvore incha, cresce e por tal forma se liga à terra, pelas suas raízes, que a esfuranca como nem o ferro do arado a lavra. Só na minha vida não há raízes.
Amigos não os tenho nem os quero, e tudo me parece pardo e inútil.
Ainda a natureza me prende: fico horas a ver um charco e nunca me comovi como diante da árvore mais humilde.