A Metamorfose - Cap. 3: Capítulo III Pág. 53 / 66

A família de Gregório comia agora na cozinha. Antes de dirigir-se à cozinha, o pai de Gregório vinha à sala de estar e, com uma rasgada vénia, de boné na mão, dava a volta à mesa. Os hóspedes levantavam-se todos e murmuravam qualquer coisa por entre as barbas. Quando tomavam a ficar a sós, punham-se a comer, em quase completo silêncio. Gregório estranhou que, por entre os vários sons provenientes da mesa, fosse capaz de distinguir o som dos dentes a mastigarem a comida. Era como se alguém pretendesse demonstrar-lhe que para comer era preciso dispor de dentes e que, com mandíbulas que os não tivessem, por melhores que elas fossem, ninguém podia fazê-lo. Fome, tenho eu, disse tristemente Gregório, de si para si, mas não é de comida desta. Estes hóspedes a empanturrarem-se e eu para aqui a morrer de fome.

Durante todo o tempo que ali passara, Gregório não se lembrava de alguma vez ter ouvido a irmã a tocar; nessa mesma noite, ouviu o som do violino na cozinha. Os hóspedes tinham acabado de jantar. O do meio trouxera um jornal e dera uma página a cada um dos outros; reclinados para trás, liam-no, enquanto fumavam. Quando se ouviu o som do violino, apuraram os ouvidos, levantaram-se e dirigiram-se nos bicos dos pés até à porta do vestíbulo, onde se detiveram, colados uns aos outros, à escuta. Sem dúvida apercebendo-se, na cozinha, dos seus movimentos, o pai de Gregório perguntou:

- Incomoda-os o som do violino, meus senhores? Se incomoda, paro agora.

- Pelo contrário - replicou o hóspede do meio -, não poderá a Menina Samsa vir tocar ali para a sala ao pé de nós? Sempre é mais apropriado e está-se muito melhor.

- Oh, com certeza - respondeu o pai de Gregório, como se fosse ele o violinista.

Os hóspedes regressaram à sala de estar, onde ficaram à espera.





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