Sermão de Santo António aos Peixes - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 36 / 40

E disse nomeadamente nas nuvens do ar, para atribuir a escuridade ao outro elemento, e não à água; a qual em seu próprio elemento sempre é clara, diáfana e transparente, em que nada se pode ocultar, encobrir nem dissimular. E que neste mesmo elemento se crie, se conserve e se exercite com tanto dano de bem público um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor!

Vejo, peixes, que pelo conhecimento que tendes das terras em que batem os vossos mares, me estais respondendo e convindo, que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas traições. E sobre o mesmo sujeito que defendeis, também podereis aplicar aos semelhantes outra propriedade muito própria; mas pois vós a calais, eu também a calo. Com grande confusão, porém, vos confesso tudo, e muito mais do que dizeis, pois o não posso negar. Mas ponde os olhos em António, vosso pregador, e vereis nele o mais puro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano. E sabei também que para haver tudo isto em cada um de nós bastava antigamente ser português, não era necessário ser santo.

Tenho acabado, irmãos peixes, os vossos louvores e repreensões, e satisfeito, como vos prometi, às duas obrigações do sal, posto que do mar, e não da terra: Vos estis sal terræ. Só resta fazer-vos uma advertência muito necessária, para os que viveis nestes mares. Como eles são tão esparcelados e cheios de baixios, bem sabeis que se perdem e dão à costa muitos navios, com que se enriquece o mar e a terra se empobrece. Importa, pois, que advirtais, que nesta mesma riqueza tendes um grande perigo, porque todos os que se aproveitam dos bens dos naufragantes ficam excomungados e malditos.





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