- Nenhuma, nenhuma! Como havia de ter? Um homem grave, um homem revestido de carácter religioso como o abade Busoni não se permitiria semelhante brincadeira. Mas não leu tudo, Excelência...
- Ah, é verdade, há um post-scriptum! - disse Monte-Cristo.
- Pois, há... um... post-scriptum... - repetiu o lucano.
-«Para não causar ao major Cavalcanti o embaraço de transferir fundos dos cofres do seu banqueiro, mandei-lhe uma ordem de pagamento de dois mil francos para as suas despesas de viagem e um crédito sobre o senhor de quarenta e oito mil francos, que o Sr. Conde me fica a dever.« O major seguiu com os olhos o post-scriptum, com visível ansiedade.
- Muito bem! - limitou-se a dizer o conde.
- Ele disse «muito bem!» - murmurou o lucano. - Portanto... senhor... - prosseguiu.
- Portanto?... - perguntou o conde.
- Portanto, o post-scriptum?...
- Sim, o post-scriptum?...
- É acolhido pelo senhor tão favoravelmente como o resto da carta?
- Certamente. Temos contas um com o outro, o abade Busoni e eu. Não sei exactamente se lhe estou a dever quarenta e oito mil libras, mas entre nós não fazemos caso de algumas notas a mais ou a menos. Mas vejamos, porque atribuía assim tão grande importância ao post-scriptum, meu caro Sr. Cavalcanti?
- Confesso-lhe - respondeu o lucano - que, cheio de confiança na assinatura do abade Busoni, não me muni doutros fundos. De forma que se esse recurso me faltasse, me encontraria muito embaraçado em Paris.
- Porventura um homem como o senhor se embaraça nalgum lado? observou Monte-Cristo. - Ora deixe-se disso!
- Ora essa, não conhecendo ninguém... - redarguiu o lucano.
- Mas conhecem-no ao senhor.
- Sim, conhecem-me. De forma que...
- Acabe, caro Sr. Cavalcanti! - De forma que... entrega-me essas quarenta e oito mil libras?
- Ao seu primeiro pedido.
O major arregalava os olhos espantado.
- Mas sente-se - disse Monte-Cristo. - Na verdade, não sei onde tenho a cabeça... Deixei-o de pé durante um quarto de hora.
- Não se preocupe.
O major puxou uma cadeira e sentou-se.
- Agora, quer tomar alguma coisa? - perguntou o conde. – Um copo de xerez, de porto ou de alicante?
- De alicante, que é o meu vinho preferido.
- Tenho um excelente. Com um biscoito, não é verdade?
- Com um biscoito, já que insiste.
Monte-Cristo tocou. Baptistin apareceu.
O conde foi ao seu encontro.
- Então?... - perguntou baixinho.
- O rapaz está cá - respondeu o criado de quarto no mesmo tom.
- Bem. Para onde o mandou entrar?
- Para a sala azul, como V. Ex.a ordenou.
- Óptimo. Traga vinho de Alicante e biscoitos.