- Há quanto tempo - começou o procurador régio, sentando-se por sua vez e fazendo a poltrona descrever um semicírculo a fim de ficar defronte da Sr.ª Danglars -, há quanto tempo, minha senhora, não tinha a felicidade de conversar a sós consigo. E com meu grande pesar, reencontramo-nos para ter uma conversa deveras penosa.
- No entanto, senhor, bem vê que acorri ao seu primeiro chamamento, embora certamente esta conversa seja ainda mais penosa para mim do que para si.
Villefort sorriu amargamente.
- É então verdade - prosseguiu, respondendo muito mais ao seu próprio pensamento do que às palavras da Sr.ª Danglars -, é então verdade que todos os nossos actos deixam vestígios, uns sombrios, outros luminosos, no nosso passado! É então verdade que todos os nossos passos nesta vida se assemelham ao andamento do réptil na areia e deixam rasto! Infelizmente, para muitos esse rasto, esse sulco, é o das suas lágrimas!
- Senhor, compreende a minha emoção, não é verdade? - perguntou a Sr.ª Danglars - Poupe-me portanto, suplico-lhe. Este gabinete, por onde tantos culpados têm passado, trémulos e envergonhados; esta cadeira, onde me sento por minha vez também envergonhada e trémula... Oh, acredite que necessito de toda a minha razão para não ver em mim uma mulher culpada e em si um juiz ameaçador.
Villefort abanou a cabeça e suspirou.
- E eu - redarguiu -, e eu não digo para comigo que o meu lugar não é na poltrona do juiz, mas sim no banco do réu?
- O senhor? - disse a Sr.ª Danglars, surpreendida.
- Sim, eu.
- Creio que da sua parte, senhor, o seu puritanismo exagera a situação - contrapôs a Sr.ª Danglars, cujos olhos, tão belos, brilharam fugazmente. - Os sulcos de que acaba de falar foram traçados por todas as juventudes ardentes. No fundo das paixões, para lá do prazer, há sempre um pouco de remorso. É por isso que o Evangelho, esse recurso eterno dos infelizes, nos deu como amparo, a nós, pobres mulheres, a admirável parábola da jovem pecadora e da mulher adúltera. Por isso, confesso-lhe, quando me recordo desses delírios da minha juventude, penso às vezes que Deus mos perdoará, porque se não a desculpa, pelo menos a compensação encontra-se nos meus sofrimentos. Mas o senhor, que tem a temer de tudo isso, se aos homens toda a gente os desculpa e o escândalo nobilita-os?
- Minha senhora - replicou Villefort -, não me conhece. Não sou um hipócrita ou pelo menos não armo em hipócrita sem motivo. Se a minha fronte é severa, isso deve-se às desgraças que a têm assombrado; se o meu coração se petrificou, foi para poder suportar os choques que tem recebido.