– Não praz, por Sant’Iago! – replicava o coudel. – Tenho andado em mais de vinte arrancadas, tanto em hoste como em cavalgada; tenho saído trinta vezes de castros e burgos, em apelido contra mouros e leoneses: nunca vi lançar esculcas para vigiarem sagas de mesnada ou barbacãs de castelo. Que Satanás?! O infante não vem, creio eu, de Guimarães, mas para lá se encaminha: ao menos assim no-lo dizem. E não havemos de atalaiar bosques e pacigos além Madroa?
– Fu, fu, perro e vilão que és! – murmurou o cavaleiro. – Vedes vós – prosseguiu ele falando com os seus homens de armas – como vai ancha e crescida a ousadia dos peões? – Culpa tem quem fia deles cavalo, saio e cervilheira como a uma nobre lança. Ai, meu mano – acrescentou dirigindo-se de novo ao coudel –, digo-vos eu que não passareis o vau.
– Somos homens de rua – retrucou o coudel encolerizado –, burgueses por nossa carta de privilégio e bom foro; e a nenhum de nós pode ser dito fu, fu, perro e vilão sem vilta e afronta de vinte soldos de pena. Aqui está Pedro Amarelo, mestre armeiro; Roderico Spassandiz, mestre ferreiro; Sandamiro Eiriz, mercador, e eu, Gavino Pais, que valho por qualquer deles. Tende tento, senhor cavaleiro, com vossas falas, que podeis amanhã ouvi-las mais pesadas da boca dos alvazis.
– Estais bravo, dom coudel! – acudiu o cavaleiro, que porventura não achara inteiramente infundada a advertência do besteiro. – Foi por chança que o disse. Deus me livre de doestar tão honrados burgueses! Mas dir-vos-ei agora porque não passaremos o vau. Sabeis o que vai de novo?
A esta pergunta ninguém respondeu: mas homens de armas e besteiros pararam, apinhando-se à roda do que falava.
– Vai, que entre os ricos-homens da corte há quem pense em fazer deslealdade à nossa mui excelente rainha, e o nobre conde de Portugal e Coimbra quer talvez colhê-los às mãos.