Um incidente agora me ocorre, não muito concertado com o seguimento da história, mas a propósito vindo para demonstrar uma face da índole do ex-corregedor de Viseu, já então exonerado do cargo. Sabido é que Manuel Botelho, o primogénito, voltando a frequentar matemáticas em Coimbra, fugira dali para Espanha com uma dama desleal a seu marido, estudante açoriano que cursava medicina.
Um ano demorara na Corunha Manuel Botelho com a fugitiva, alimentando-se dos recursos que sua mãe, extremosa por ele, lhe remetia, vendendo a pouco e pouco as suas jóias, e privando as filhas dos adornos próprios dos anos e da qualidade.
Secaram-se estas fontes e não restavam outras. D. Rita disse afinal ao filho que deixara de socorrer Simão por não ter meios; e agora das escassas economias que fazia nada podia enviar-lhe, porque estava em obrigação de pagar os alimentos de Simão à pessoa que por compaixão lhos dera em Viseu, e lhos estava dando no Porto. Ajuntava ela, para consolação do filho, que viesse ele para Vila Real, e trouxesse consigo a infeliz senhora; que fosse ele para casa, e a deixasse a ela numa estalagem até se lhe arranjar habitação; que o ensejo era oportuno por estar na quinta de Montezelos o pai, quase divorciado da família.
Voltou pelo Minho Manuel Botelho, e chegou com a dama ao Porto, quinze dias depois que Simão entrara no cárcere.
Já noutro ponto deixámos dito que nunca os dois irmãos se deram, nem estimaram; mas o infortúnio de Simão remia as culpas do génio fatal que o orfanara de pai e mãe, e só da irmã Rita lhe deixara uma lembrança saudosa.
Foi Manuel à cadeia, e, abrindo os braços ao irmão, teve um glacial acolhimento.
Perguntou-lhe Manuel a história do seu desastre.
– Consta do processo – respondeu Simão.
– E tem o mano esperanças de liberdade? – replicou Manuel.
– Não penso nisso.
– Eu pouco posso oferecer-lhe, porque vou para casa forçado pela falta de recursos; mas, se precisa de roupa, repartirei consigo da minha.