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Capítulo 20: Capítulo 20

Página 128

A verdade é algumas vezes o escolho de um romance. Na vida real, recebemo-la como ela sai dos encontrados casos, ou da lógica implacável das coisas; mas, na novela, custa-nos a sofrer que o autor, se inventa, não invente melhor; e, se copia, não minta por amor da arte.

Um romance que estriba na verdade o seu merecimento é frio, é impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos, nem tira a gente, sequer uma temporada, enquanto ele nos lembra, deste jogo de nora, cujos alcatruzes somos, uns a subir, outros a descer, movidos pela manivela do egoísmo.

A verdade! Se ela é feia, para que oferecê-la em painéis ao público!?

A verdade do coração humano! Se o coração humano tem filamentos de ferro que o prendem ao barro donde saiu, ou pesam nele e o submergem no charco da culpa primitiva, para que é emergi-lo, retratá-lo e pô-lo à venda!?

Os reparos são de quem tem o juízo no seu lugar; mas, pois que eu perdi o meu a estudar a verdade, já agora a desforra que tenho é pintá-la como ela é, feia e repugnante.

A desgraça afervora, ou quebranta o amor?

Isso é que eu submeto à decisão do leitor inteligente. Factos e não teses é que eu não trago para aqui. O pintor retrata uns olhos, e não explica as funções ópticas do aparelho visual.

Ao cabo de dezanove meses de cárcere, Simão Botelho almejava um raio de sol, uma lufada de ar não coada pelos ferros, o pavimento do céu, que o da abóboda do seu cubículo pesava-lhe sobre o peito.

Ânsia de viver era a sua; não era já a ânsia de amar.

Seis meses de sobressaltos diante da forca deviam distender-lhe as fibras do coração; e o coração para o amor quer-se forte e tenso, de uma certa rijeza, que se ganha com o bom sangue, com os anseios das esperanças, e com as alegrias que o enchem e reforçam para os reveses.

Caiu a forca pavorosa aos olhos de Simão; mas os pulsos ficaram em ferros, o pulmão ao ar mortal das cadeias, o espírito entanguido na glacial estupidez de umas paredes salitrosas, e dum pavimento que ressoa os derradeiros passos do último padecente, e dum tecto que filtra a morte a gotas de água.

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Capa do livro Amor de Perdição
Páginas: 145
Página atual: 128

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 3
Capítulo 3 10
Capítulo 4 16
Capítulo 5 23
Capítulo 6 29
Capítulo 7 36
Capítulo 8 45
Capítulo 9 55
Capítulo 10 64
Capítulo 11 70
Capítulo 12 81
Capítulo 13 87
Capítulo 14 94
Capítulo 15 101
Capítulo 16 107
Capítulo 17 113
Capítulo 18 119
Capítulo 19 123
Capítulo 20 128
Capítulo 21 133
Capítulo 22 139