Mariana, a filha de João da Cruz, quando viu seu pai pensar a chaga do braço de Simão, perdeu os sentidos. O ferrador riu estrondosamente da fraqueza da moça, e o académico achou estranha sensibilidade em mulher afeita a curar as feridas com que seu pai vinha laureado de todas as feiras e romarias.
– Não há ainda um ano que me fizeram três buracos na cabeça, quando eu fui à Senhora dos Remédios, a Lamego, e foi ela que me tosquiou e rapou o casco à navalha – disse o ferrador. – Pelo que vejo, o sangue do fidalgo deu volta ao estômago da rapariga!… Estamos então bem aviados! Eu tenho cá a minha vida, e queria que ela fosse a enfermeira do meu doente… És, ou não és, rapariga? – disse ele à filha, quando ela abriu os olhos, com semblante de envergonhada da sua fraqueza,
– Serei com muito gosto, se o pai quiser.
– Pois, então, moça, se hás-de ir costurar para a varanda, vem aqui para a beira do senhor Simão. Dá-lhe caldos a miúdo, e trata--lhe da ferida; vinagre e mais vinagre, quando ela estiver assim a modo de roxa. Conversa com ele, não o deixes estar a malucar, nem escrever muito, que não é bom quando se está fraco do miolo. E vossa senhoria não tenha aquelas de cerimónia, nem me diga à Mariana – a menina isto, a menina aquilo. É – rapariga, dá cá um caldo; rapariga, lava-me o braço, dá cá as compressas – e nada de políticas. Ela está aqui como sua criada, porque eu já lhe disse que se não fosse o pai de vossa senhoria já ela há muito tempo que andava por aí às esmolas, ou pior ainda. É verdade que eu podia deixar-lhe uns benzinhos, ganhos ali a suar na bigorna há dez anos, afora uns quatrocentos mil réis que herdei de minha mãe, que Deus haja; mas vossa senhoria bem sabe que, se eu fosse à forca ou pela barra fora, vinha a justiça, e tomava conta de tudo para as custas.
– Se vossemecê tem uma casinha sofrível – atalhou Simão – pode, querendo, casar a sua filha numa boa casa de lavoira.