Duas horas se detivera João da Cruz fora de casa. Chegou quando a curiosidade do estudante era já sofrimento.
– Estará seu pai preso?! – dissera ele a Mariana.
– Não mo diz o coração, e o meu coração nunca me engana – respondera ela. E Simão replicara:
– E que lhe diz o coração a meu respeito, Mariana? Os meus trabalhos ficarão aqui?
– Vou-lhe dizer a verdade, senhor Simão… mas não digo…
– Diga, que lho peço, porque tenho fé no bom anjo que fala em sua alma. Diga…
– Pois sim… O meu coração diz-me que os seus trabalhos ainda estão no começo…
Simão ouviu-a atentamente, e não respondeu. Assombrou-lhe o ânimo esta ideia torva, e afrontosa à singela rapariga: – «Pensará ela em me desviar de Teresa, para se fazer amar?».
Pensava assim quando chegou o ferrador.
– Aqui estou de volta – disse ele com semblante festivo. – Sua mãe mandou-me chamar…
– Já sei… E como soube ela que eu estava aqui?
– Ela sabia que o fidalgo estivera cá; mas cuidava que vossa senhoria já tinha ido para Coimbra. Quem lho disse não sei, nem perguntei; porque a uma pessoa de respeito não se fazem perguntas. Dizia ela que sabia o fim a que o senhor viera esconder-se aqui.
Ralhou alguma coisa; mas eu, cá como pude, acomodei-a, e não há novidade. Perguntou-me o que estava o menino fazendo aqui depois que a fidalguinha fora para o convento. Disse-lhe que vossa senhoria estava adoentado de uma queda que dera do cavalo abaixo. Tornou ela a perguntar-me se o senhor tinha dinheiro; e eu disse que não sabia. E, vai ela, foi dentro, e voltou daí a pouco com este embrulho, para eu lhe entregar. Aí o tem tal e qual; não sei quanto é.
– E não me escreveu?
– Disse que não podia ir à escrivaninha, porque estava lá o senhor corregedor – respondeu com firmeza mestre João – e também recomendou que não lhe escrevesse vossa senhoria senão de Coimbra, por-que se seu pai soubesse que o menino cá estava ia tudo raso lá em casa. Ora aí está.
– E não lhe falou nos criados de Baltasar?
– Nem um pio!… Lá na cidade ninguém já falava nisso hoje.