– E Teresa? Perguntaram a tempo, minhas senhoras, e não me hei-de queixar se me arguirem de a ter esquecido e sacrificado a incidentes de menos porte.
Esquecido, não. Muito há que me reluz e voeja, alada como ideal querubim dos santos, nesta minha quase escuridade, aquela ave do céu, como a pedir-me que lhe cubra de flores o rastilho de sangue que ela deixou na terra. Mais lágrimas que sangue deixaste, ó filha da amargura! Flores são tuas lágrimas, e do Céu me diz se os perfumes delas não valem mais aos pés do teu Deus que as preces de muita devota, que morre santificada pelo mundo, e cujo cheiro de santidade não passa do olfacto hipócrita ou estúpido dos mortais.
Teresa Clementina bem a viram transportada da escadaria do templo, onde caíra, à liteira que a conduziu ao Porto. Recobrando o alento, viu defronte de si uma criada, que lhe dizia banais e frias expressões de alívio. Se alguma criada de seu pai lhe era amiga, decerto não aquela, acintosamente escolhida pelo velho. Nem ao menos a confiança para tal expansão em gritos restava à afligida menina! Mas um raio de piedade ferira súbito o peito da mulher até àquela hora desafecta a sua ama.
Perguntava-se a si mesma Teresa se aquela horrorosa situação seria um sonho! Sentia-se de novo falecer de forças, e voltava à vida, acudida pela consciência da sua desgraça. Condoeu-se a criada, e incitou-a a respirar, chorando com ela, e dizendo-lhe:
– Pode falar, menina, que ninguém nos segue.
– Ninguém?!
– As suas primas ficaram: apenas vêm os dois lacaios.
– E meu pai não?
– Não, fidalga… Pode chorar e falar à sua vontade.
– Eu vou para o Porto?
– Vamos, sim, minha senhora.
– E tu viste tudo como foi, Constança?
– Desgraçadamente vi…
– Como foi? Conta-me tudo.
– A menina bem sabe que seu primo morreu.
– Morreu?! Vi-o cair quase aos meus pés; mas…
– Morreu logo, e depois quiseram os criados, à voz de seu pai, prender o senhor Simão; mas ele com outra pistola…
– E fugiu? – atalhou Teresa, com veemente alegria.