IV Eram três horas.
Henriqueta disse que se retirava, depois de vitimar com seus ligeiros, mas pungentes gracejos, alguns daqueles muito que provocam o sarcasmo só com a presença, só com o vulto corporal, só com a sensaboria de um remoque parvo e pretensioso. O Carnaval é uma exposição anual destes infelizes.
Carlos, ao ver que Henriqueta se retirava com um segredo que tanto irritara a sua curiosidade, instou com delicadeza, com meiguice, e até com ressentimento, pela realidade de uma esperança, que fizera a sua felicidade de algumas horas.
- “Eu não me arrependo” - disse ele - “de ter sido a voluntária testemunha de teus desforços... Ainda mesmo que me tivessem conhecido, e tu fosses uma mulher licenciosa e depravada, não me arrependeria... Ouvi-te, iludi-me na esperança vaidosa de conhecer-te, tive orgulho de ser o escolhido para sentir de perto as pulsações vertiginosas do teu coração... Estou recompensado de mais... Ainda assim, Henriqueta, eu não tenho pejo de abrir-te a minha alma, confessando-te um desejo de conhecer-te que não posso iludir... Este desejo vais-mo tu convertendo numa dor; e será logo uma saudade insuportável, que te faria compaixão se soubesses avaliar o que é na minha alma um desejo impossível. Se tu mo não dizes, que me dirá o teu nome?”
- “Não sabes que sou Henriqueta?”
- “Que importa? E serás-tu Henriqueta?”
- “Sou... Juro-te que sou...”
- “Não basta isto... Ora diz-me... Não sentes a precisão de ser-me grata?”
- “A quê, meu cavalheiro?”
- “Grata ao melindre com que te tenho tratado, grata à delicadeza com que te peço uma revelação da tua vida, e grata a este impulso invencível que me manda fazer ajoelhar-te... Será nobre zombar de um amor que involuntariamente fizeste nascer?”
- “Não te iludas, Carlos” - replicou Henriqueta num tom de seriedade, semelhante ao de uma mãe que aconselha seu filho.