VIII “Carlos, tenho quase tocado a extrema desta minha peregrinação. A minha Ilíada está no último canto. Quero dizer-te que é esta a minha penúltima carta.
» Não sou tão independente como pensava. A não serem os poetas, ninguém gosta de contar as suas mágoas ao vento. É belo dizer-se que um gemido nas asas da brisa vai da terra em dorido suspirar até ao coro dos anjos. É bonito conversar com a fonte suspirosa, e contar à avezinha gemedora os segredos do nosso pensar. Tudo isto é delicioso de uma puerilidade inofensiva; mas eu, Carlos, não tenho alma para estas coisas, nem engenho para estes artifícios.
» Vou contando as minhas penas a um homem que não pode zombar de minhas lágrimas, sem trair a generosidade do seu coração, e a sensibilidade do talento.
» Sabes qual é o meu egoísmo, o meu estipêndio neste trabalho, nesta franqueza de alma, que ninguém te pode disputar como único em merecê-la? Eu te digo.
» Quero uma carta tua, dirigida a Angélica Micaela. Diz-me o que a tua alma te disse; não tenhas pejo em denunciá-la; associa-te um momento à minha dor, e diz-me o que farias se tivesses sido Henriqueta.
» Aqui tens o prólogo desta carta; agora vamos espreitar o lance extraordinário daquele encontro, em que deixamos o visconde e a... Como hei-de chamar-lhe?... A viscondessa, e a sua Exma. Filha D. Laura.
- “Pois é possível existires?” - perguntava o visconde, sinceramente admirado, a sua mulher.
- “Pois não me conheces, António?” - respondia ela com estúpida naturalidade.
- “Tinham-me dito que morreras...” - tornou ele com desasada hipocrisia.
- “Tinham-me dito, há dezassete anos, que tu e nossa filha tínheis sido vítimas da cólera-morbo...”
- “Felizmente que lhe mentiram”- interrompeu Laura com afectada meiguice.