CAPÍTULO XVII - ENTRE A DEMÊNCIA E A MORTE - Conta-me lá isso outra vez, Norberto! - dizia o padre Botelho de Queirós, fechado com o caudilho da jolda no seu quarto. - Então tu mesmo viste.
- Saberá Vossa Senhoria que vi com estes dois o Bernardo a descer as escadas de dentro da capela... sim, as que vêm do coro.
- Bem sei, e nessa ocasião o Torto...
- E o Frazão, que estavam à espreita, cresceram sobre ele. O que eu ouvi cá de fora foi quatro tiros ao mesmo tempo; e, quando entrei lá dentro, estavam todos três mortos. De aí a pedaço desabou o teto e as paredes da capela, e lá ficaram enterrados todos. O entulho tem mais de seis palmos sobre a soleira da porta. Olhe, meu amo - continuou o Calvo, coçando a orelha direita - , o que me levou dos diabos foi ser eles e não eu que matou o tal Bernardo...
- Enfim, o que eu queria fez-se; e a ter ele de matar alguém, antes aos outros do que a ti, que sempre foste o meu homem.
- Isso são favores; mas o que vossa senhoria quiser de mim, ainda que seja ir ao Inferno e voltar...
- Bem sei, rapaz... E também viste o médico?
- Lá estava todo queimadinho como um carvão...
- E os outros? Esses não se lhe põe mais olho...
- Sim, a esta hora onde irão eles?
- Agora, sabes que tens de me fazer um grande serviço?
- Às ordens, meu amo!
- Hás de ir a Coimbra saber onde pára a Sr.ª D. Ricardina.
- E Vossa Senhoria... - Norberto conteve a pergunta, por temeroso de imprudência.
- Que ias tu dizer?
- O que quer que eu lhe diga à senhora? - emendou ele o impulso de perguntar o que queria à fidalga.
- Quero que lhe digas coisa nenhuma. O que tu vais é saber onde ela pára; que eu depois lhe direi onde ela há de ir parar. A Casa da Estopa, no Porto, fez-se para as perdidas da laia dela.