IX Bernardo procurou um refúgio em casa de uma mulher pobre que o tratara sempre com amor, matando-lhe a fome, quando a aprendizagem de alfaiataria não valia o pão de cada dia. Esta mulher fora ama da roda no tempo em que Bernardo lá fora lançado. Supunha ela que talvez o tivesse alimentado ao seu seio por algumas horas, e esta só conjectura atraía-a para ele com instinto maternal.
O enjeitado curou-se dos leves ferimentos, e pediu a Deus que lhe inspirasse um destino. Esperou.
Em Viseu, falava-se muito deste sucesso, divulgado por Francisco de Lucena, e por João Leite.
Bernardo era procurado para ser punido, e quem mais diligências fazia para isso era o juiz de fora Paulo Botelho.
O honrado rapaz, quando se viu na penosa situação de agenciar a sua vida, por não poder sair da pobre casa em que vivia, impelido pela sua inocência, procurou o juiz de fora e expôs-lhe com a mais eloquente naturalidade a injustiça com que fora maltratado, e com que estava sendo perseguido.
Paulo Botelho quis espancá-lo com um chicote por ter tido a audácia de entrar em sua casa sem ferros nos pés. Olhou em redor de si procurando um aguazil para fazê-lo prender traiçoeiramente; mas o generoso mancebo, adivinhando-lhe as intenções disse que não precisava fingir-se; que ele dava a sua palavra de honra de não retirar-se da casa em que estava vivendo, e que mandasse sua senhoria capturá-lo quando quisesse. O juiz riu-se da palavra de honra na boca dum criado de servir, e mandou-o embora, por não ter a propósito um meirinho.
Bernardo encontrou, ao retirar-se, nas escadas do ministro, João Leite, que apeava duma liteira, segundo o uso dos nobres, comprado pelo ouro do burguês opulento.
João Leite fixou-o com ar de soberano desprezo e perguntou-lhe:
- És tu o lacaio de Francisco de Lucena?
- Fui o lacaio do Sr.