XI Bernardo foi condenado à pena última. Ergueu-se uma forca nas proximidades do delito entre a casa do juiz e a de Francisco de Lucena.
Eulália exaltara-se no martírio até causar receios de loucura. Inspiravam-se de uma dor de morte as exclamações pungentes que soltava a cada ruído que ouvia semelhante ao arranco retraído dum justiçado. O espectáculo da forca era a sua ideia fixa desde o momento que uma religiosa imprudente lhe anunciou o destino de Bernardo da Silva.
A infeliz, na madrugada do dia da execução, fugiu da cela com os cabelos em desordem, com as faces chamejantes de febre, com os olhos embriagados de delito, e com o coração a estalar-lhe de uma dor que a endoidecia.
Chegando à portaria não houve forças humanas que a contivessem. Os ferrolhos cederam ao impulso duma fraca mulher, forte da sua desesperação; e esta virgem, com hábitos de noviça, e bela, na sua agonia, como um corpo epiléptico que se levanta amortalhado do esquife, corria por entre as multidões que principiavam a aglomerar-se para testemunharem o desconjuntar dos ossos do pescoço dum padecente entre as mãos do carrasco, seu irmão, ambos filhos do mesmo Deus, ambos reunidos pelo sangue do mesmo Cristo.
Viram-na as multidões passar; muitos a conheceram: alguns pronunciaram o seu nome, mas aquela pomba, ferida de morte, era um cadáver que se movia impelido pelo choque da pilha galvânica.
Erguera-se um alarido na cidade. As turbas corriam na direcção da infeliz, a quem chamavam douda; mas não ousou alguém embargar o passo àquela mulher que parecia fascinar com a majestade da sua demência.
Os que a seguiam esperavam vê-la entrar em casa de seu pai. Enganaram-se, Eulália subiu as escadas de Paulo Botelho, e entrou no salão onde fora lavrada a sentença de cadafalso para Bernardo da Silva.