XIV Através da multidão abriu-se uma clareira para deixar passar um homem, que devia representar um principal papel naquele festim da lei.
Convergiram todas as atenções para aquele ponto.
Era Pedro Leite - ainda o pregoeiro da inocência de Bernardo, com a face cadavérica das longas noites que chorara sobre o túmulo de seu filho único.
Quem disse a este homem que Bernardo da Silva era um inocente?
Que força oculta o arrasta a abençoar nas escadas da forca o assassino de seu filho?
Fenómenos ocultos da Providência! A voz de Deus, soando pelos lábios do mistério! Explicai-me as operações de Deus, e eu vos explicarei a inspiração sobrenatural que obriga a balbuciarem o perdão os lábios que beijaram morto um filho estremecido...
Pedro Leite aproximou-se do justiçado. Ninguém lhe embaraçou o passo.
Cheio de majestade, de poesia fúnebre, e de santo terror, falou assim:
- Eu venho pedir o seu perdão à beira do patíbulo. Fui eu que o arrastei até o tribunal em que foi condenado; mas não sou eu que o arrasto aqui. Bradei em favor da sua inocência. Pedi, há momentos, a suspensão deste acto, em que minha dor será mais... muito mais prolongada que a sua. Não me ouviram: impuseram-me silêncio, e mandaram-me sair do santuário da lei, que resfolegava sangue pela boca do seu sacerdote.
"Venho pedir o seu perdão, nas escadas da forca, e vazar o fel, que me devora a consciência, na consciência do juiz implacável que pede a sua cabeça a altos gritos!"
Ouviu-se um prolongado murmúrio. Era a onda popular que refervia sopesada entre as rochas da sua impotência moral, naqueles dias, em que o sangue dum plebeu continuava a operação regeneradora do sangue de Jesus Cristo.
Bernardo ouviu com presença de espírito a exclamação de Pedro Leite.