Num grupo ao pé da Casa Havanesa os questionadores politicavam: pronunciava-se o nome de Proudhon que, por esse tempo, se começava a citar vagamente em Lisboa como um monstro sanguinolento; e as invectivas rompiam contra Proudhon. A maior parte imaginava que era ele que tinha incendiado. Mas o poeta estimado das Flores e Ais acudiu dizendo "que, à parte as asneiras que Proudhon dizia, era ainda assim um estilista bastante ameno". Então o jogador França berrou:
- Qual estilo, qual cabaça! Se aqui o pilhasse no Chiado rachava-lhe os ossos!
E rachava. Depois do conhaque o França era uma fera.
Alguns moços, porém, a quem o elemento dramático da catástrofe revolvia o instinto romântico, aplaudiam a heroicidade da Comuna - Vermorel abrindo os braços como o Crucificado, e sob as balas que o traspassavam gritando: Viva a humanidade! O velho Delecluze, com um fanatismo de santo, ditando do seu leito de agonia as violências da resistência...
- São grandes homens! exclamava um rapaz exaltado.
Em redor as pessoas graves rugiam. Outras afastavam-se pálidas, vendo já as suas casas na Baixa a escorrer de petróleo e a mesma Casa Havanesa presa de chamas socialistas. Então era em todos os grupos um furor de autoridade e repressão: era necessário que a sociedade, atacada pela Internacional, se refugiasse na força dos seus príncipes conservadores e religiosos, cercando-os bem de baionetas! Burgueses com tendas de capelistas falavam da "canalha" com o desdém imponente dum La Tremouille ou dum Ossuna. Sujeitos, palitando os dentes, decretavam a vingança. Vadios pareciam furiosos "contra o operário que quer viver como príncipe". Falava-se com devoção na propriedade, no capital!
Doutro lado eram moços verbosos, localistas excitados que declaravam contra o velho mundo, a velha ideia, ameaçando-os de alto, propondo-se a derruí-los em artigos tremendos.