Colocámos Ritmel no carro; com mantas fizemos-lhe uma espécie de ninho, cómodo e mole, e o cavalo trotou rapidamente, pela rua de S. Marcos, para casa de Ritmel. aí grande rumor entre os oficiais ingleses. Eu contei uma incoerente história de assalto ao florete, em que a minha arma subitamente se tinha desembolado. A história era inaceitável; mas era fácil compreender que havia por traz dela um segredo delicado, e isto era o bastante para a altiva reserva de gentlemen.
Ritmel, aos primeiros curativos, serenou e adormeceu.
Tudo tinha sido feito em silêncio, desapercebidamente. Fui tranquilizar a condessa. Eram três horas da noite. Havia temporal, e eu sentia quebrar o mar nas rochas da baía. Tudo dormia em Clarence-Hotel.
- Agora nós! disse eu. E dirigi-me ao quarto de Carmen.
Havia luz. Abri a porta, corri o reposteiro, entrei. A luz era frouxa, desmaiada. A princípio não distingui ninguém e ouvi apenas soluçar. enfim sobre um sofá, deitada, enroscada, sepultada, vi Carmen, com a cabeça escondida, o penteado solto, coberta de sangue e abraçada a um crucifixo. Ao pé, sobre uma mesa, havia uma garrafa de cognac e um pequeno frasco azul facetado. Quando sentiu os meus passos no tapete, Carmen levantou-se um pouco no sofá. Naquele momento a sua beleza era prodigiosa.
Tinha os cabelos soltos: os olhos reluziam como aço negro, e o penteador, aberto sobre o peito, deixava ver a beleza maravilhosa do seio.
Confesso que não foi a ideia da vingança e do castigo que me tomou o espirito diante daquela mulher tão terrivelmente possuída da paixão. Lembraram-me as figuras trágicas da arte, Lady Macbeth e Clitemnestra, e tanta beleza, tanto esplendor, fizeram-me subir ao cérebro um vapor de amores pagãos.
Ela tinha-se erguido e, com uma voz seca:
- Que quer?
Eu fiquei calado.