CAPÍTULO II Soube daí a dias que a senhora com quem me encontrara era a condessa de W. A figura dela tinha-me ficado moldada na memória como o rosto de um cadáver num a mascara de gesso. Estava no Rocio quando me disseram o seu nome, ao vê-la passar em carruagem descoberta.
Ia reclinada para o canto de uma vitória, quase deitada, mórbida, abstraída, indiferente, como se uma auréola invisível a segregasse dos aspetos e dos ruídos da rua, grosseiros de mais para lhe tocarem. Tinha uma sedução alucinante, vestida de verão, com uma simplicidade cheia de mimo e de frescura, uma graça que se adivinhava mais do que se via e que menos apetecia ver do que respirar. Levava no seio uma rosa cor de palha, e uma pequena madeixa de cabelos finos, dourados, transparentes, soltos do penteado, caía-lhe na testa.
Cravei os olhos nela e tirei o meu chapéu; ela viu o meu cumprimento, olhou-me, como se eu lhe aparecesse pela primeira vez, com a mesma indiferença com que olharia para uma vidraça vazia ou para uma tabuleta sem dístico, e prosseguiu inalterável e imóvel como a imagem preguiçosa da formosura arrebatada do seu pedestal por um cocheiro agaloado e por dois cavalos a trote.
Continuei a passear com um amigo com quem estava e cobri tanto quanto[1] pude com algumas palavras rancorosas a respeito da política a comoção que sentia.
Momentos depois, passou na mesma direção que tinha tomado a carruagem da condessa, um coupé escuro, sem letras nem armas, com todas as cortinas cerradas. Esta circunstância, aliás naturalíssima, encheu-me de indignação e de rancor. Imaginei possível que aquela carruagem seguisse a da condessa e, não sei porque processo do coração ou do espirito, nasceu-me o desejo de arrombar essa carruagem e calcar aos pés o homem que lá estivesse dentro.