CAPÍTULO IV No dia seguinte à hora assignada apresentei-me em casa da condessa.
Era um prédio de um só andar, simples, branco, todo fechado. Abriu-se-me a porta da rua, apareceu-me um criado vestido de casaca azul com botões brancos, colete encarnado, calção curto. Era um homem velho, de cabelos brancos, polido e nédio como um embaixador, serio como uma estátua, penteado como um gentleman. Falou-me em francês e conduziu-me.
As escadas eram pintadas e envernizadas de branco, luzidias como o peito engomado de uma camisa. Ao meio dos degraus corria um tapete de veludo passado em varetas de cobre reluzente. No patamar projetava-se da parede uma concha de alabastro, cheia de plantas de longas folhas, em cima das quais gotejava a água de uma pequena fonte. No alto da escada a mobília era branca, as paredes forradas de verde, cobertas de molduras doiradas encerrando quadros a óleo. A luz, suave e alta, vinha através de vidros baços. Havia o ar sereno e o perfumado silêncio de uma tranquilidade elegante e feliz. Não me parecia o palácio de um fidalgo, nem o palacete de um burguês, mas sim o ninho doméstico de um poeta ou de um artista.
Levantou-se um reposteiro e entrei num a sala forrada de coiro, circundada de sofás e de poltronas com estofos de marroquim cravejado de aço, grandes vasos de porcelana e alguns bronzes, um dos quais representava o busto da condessa, assignado e datado de Milão. Um dos espessos reposteiros que cobriam as portas estava corrido e deixava ver, no meio da casa próxima, que era um salão antigo, um piano de ébano volumoso e longo em cujo flanco se lia em grandes carateres de prata o nome de Erard. Junto do piano, inclinado sobre um fauteuil, achava-se um violoncelo em frente de uma estante de marfim.