CAPÍTULO VIII Transcrevo textualmente essa carta terrível:
«Querida: - Tenho aqui no meu quarto, diante de mim, as minhas malas fechadas e afiveladas: Tenho o meu passaporte… É verdade! não te esqueças de tirar o teu. Escrevi a minha mãe. Escrevi a um amigo querido, que vive na intimidade da minha vida. Por isso bem vês que te escrevo, na austera firmeza da tua resolução. Sou só. O meu destino tenho-o aqui preso na minha mão, como um pássaro, ou como uma luva: posso pousa-lo sobre a tolda de um paquete, pô-lo numa mesa de jogo em cima de uma carta, coloca-lo na ponta de uma espada, ou fechar-to na mão e dar-to. Mas tu pelas condições da tua vida tens um lugar definido no mundo, limitado e circunscrito. Estás presa, por um anel de casamento, a uma ordem de coisas, a um certo número de leis, e és na vida como um navio ancorado no mar. Por isso é justo que antes de te separares violentamente do teu centro legítimo, eu, que tenho a experiencia das desgraças, das viagens, e do espetáculo do mundo, te diga algumas palavras, que, se não me tornarem mais amado ao teu coração, tornar-me-ão mais estimado ao teu carater. Fias-te de mais no amor, minha doce amiga! Abstrai neste momento de mim, da minha honra e da minha fidelidade. Falo do amor, lei ou mistério ou símbolo, força natural ou invenção literária. Fias-te de mais no amor! Aquele amparo superior, aquele apoio solido e protetor,
que todo o espirito procura no mundo, e que uns acham na família, outros na ciência, outros na arte, tu parece quereres encontra-lo somente na paixão, e não sei se isso é justo, se isso é realizável!
Creio que te fias de mais no amor! Ele não construi nada, não resolve nada, compromete tudo e não responde por coisa alguma. É um desequilíbrio das faculdades; é o predomínio momentâneo e efémero da sensação; isto basta para que não possa repousar sobre ele nenhum destino humano.