CAPÍTULO X A tarde descia no entanto, e eu sentia uma inquietação, uma angústia crescente.
Meu primo, não sei se poderei contar-lhe miudamente todos os transes daquela noite. Não o exigirá decerto. Nada seria mais terrível do que ter de redigir e colorir o meu crime. Perdoe-me a confusão aflita das minhas palavras e os arabescos trêmulos da minha letra.
Eram dez horas da noite: fui à casa n.º… Ritmel estava lá. Achei-o pálido, e instintivamente estremeci. Conversámos. Enquanto ele falava, eu olhava-o avidamente, examinava a sua casaca, espreitava o volume que devia fazer a carteira onde estavam as cartas. E revolvia com a mão húmida o bolso do meu vestido: tinha nele o frasco de ópio. Era um frasco de cristal verde, facetado, com tampa de metal fixa. As palavras de Ritmel nessa noite eram muito doces e muito amantes. Procuravam explicar-me a sua carta, e palpitavam ainda de paixão… Vinham realmente da verdade do seu coração? Era uma retórica artificial à flor dos lábios, enganadora, como um pano de teatro? Não o sabia: só as cartas dela mo poderiam revelar, e ele tinha-as ali no bolso! Eu via o volume que fazia a carteira no peito da casaca! Estava ali a sentença da minha vida, a minha infelicidade insondável, ou a imensa pacificação do meu futuro! Podia porventura hesitar? - Ele falava no entanto. Eu tremia toda. Olhava fixamente para um copo que estava sobre a mesa ao pé de uma garrafa de cristal da Bohemia. O reposteiro da alcova achava-se corrido; dentro estava escuro.
Bety tinha ido comigo, e ficara num quarto distante, que dava para uns terrenos vagos…
- E se tivesse um desastre! pensei eu de repente. Não há pessoas que sucumbiram completamente, cujo adormecimento foi acabar de arrefecer no túmulo?
Mas eu via sempre a saliência da carteira, que me tentava como uma coisa resplandecente e viva.