CAPÍTULO II Havia dois homens que arrastavam um grande leito de madeira do lugar em que ele estava para ao pé da parede que divide a casa em que me acho daquela em que se passava a CENA que descrevo, e exatamente para junto do lugar em que eu acabava de abrir o buraco que me servia de olho e de orelha.
Um desses homens dizia assim:
- Será o que muito bem quiser, mas eu é que não torno a vir cá a andar aos trambolhões com os móveis à hora da meia noite.
- Há de ter muita razão de queixa! tornava o outro. Dou-lhe uma libra para me ajudar, quero saber se não é melhor isto que estar lá em baixo estendido ao pé da manjedoura, à espera que chegue a carruagem para ir tratar dos cavalos, a enfastiar-se sem ganhar vintém.
Aquele que dizia estas palavras, enquanto se expressasse claramente, tinha todos os defeitos de pronúncia que distinguem o estrangeiro que fala português. Pela aspiração especial de certas vogais e pela contração hábil com que pronunciava os aa, era por certo alemão.
O que primeiramente falara, prosseguiu:
- É bom lucro… Parece que é bom lucro, mas eu para mim não o quero. E olhe que não encontra seis homens aqui na rua que entrem cá de noite, a estas horas, ainda que os pese a oiro!
- Para mudar uma cama!
- Não é pela cama, é por ser a casa que é!
- Ora adeus! que tem a casa?!…
- Não tem nada! É uma graça! Ela é de tal casta que o senhorio teve-a quatro anos por alugar, foi sempre baixando na renda e por fim dava-a já de graça e não tinha alma viva que lhe pegasse! A última gente que cá morou esteve só duas noites, e foi-se daqui tolhida com as coisas que lhe apareceram e com as trapalhadas que ouvia… Cruzes demónio! cruzes diabo!
- Petas! histórias da vida!
- O senhor! não me diga que são petas! Pois eu não vi a família!?… não estive com eles!? Fugiram de noite, fugiram à segunda noite que dormiram cá, estarrecidos de medo.