Ficou tão trémula que mal podia abrir a gavetinha da cómoda:
Tinha-me esquecido, tinha-me esquecido... - balbuciava. Deu o dinheiro a Joana; e vindo cair sobre a causeuse:
- Estou perdida! - murmurou, apertando as mãos na cabeça.
Tudo descoberto! E representaram-se-lhe logo no espírito, com a intensidade de desenhos negros sobre um muro branco, o furor de Jorge, o espanto dos seus amigos, a indignação de uns, o escárnio dos outros; e estas imagens caindo com ruído na sua alma, como combustíveis numa fogueira, ateavam-lhe desesperadamente o terror.
Que lhe restava? - Fugir com Basílio!
Aquela idéia, a primeira, a única, apossou-se dela impetuosamente, traspassou-a - como a água de uma inundação que subitamente alaga um campo.
Ele tinha-lhe tantas vezes jurado que seriam tão felizes em Paris, no seu apartamento da Rua Saint Florentin! Pois bem, iria! Não levaria malas; poria no seu pequeno saco de marroquim alguma roupa branca, as jóias da mamã... E os criados? A casa? Deixaria uma carta a Sebastião para que viesse, fechasse tudo!... Levaria na viagem o vestido de riscadinho azul - ou o preto! Mais nada. O resto compra-lo-ia longe, noutras cidades...
- Se a senhora quer vir jantar... - disse Joana à porta do quarto.
Tinha posto um avental branco, e acrescentou:
A Sra. Juliana está deitada, diz que está com a dor, não pode servir à mesa.
- Já vou.
Tomou apenas uma colher de sopa, bebeu um grande gole de água; e erguendo-se:
- Que tem ela?
- Diz que é uma dor muito forte no coração.
Se morresse! Estava salva, ela! Podia ficar, então! E com uma esperança perversa:
- Vá ver, Joana, vá ver como está!
Tinha ouvido de tantas pessoas que morrem de uma dor! Iria logo ao quarto dela rebuscar-lhe a arca, apossar-se da carta! E não teria medo do silêncio da morte, fiem da lividez do cadáver.