A Metamorfose - Cap. 2: Capítulo II Pág. 33 / 66

Esperta como era, a irmã só precisou ver duas vezes a cadeira junto da janela: a partir de então, sempre que acabava de arrumar o quarto, tornava a colocar a cadeira no mesmo, sítio e até deixava as portadas interiores da janela abertas.

Se ao menos pudesse falar com ela e agradecer-lhe tudo o que fazia por ele, suportaria melhor os seus cuidados; mas naquelas condições, sentia-se oprimido. É certo que ela tentava fazer, o mais despreocupadamente possível, tudo o que lhe fosse desagradável, o que, com o correr do tempo, cada vez o conseguia melhor, mas também Gregório, aos poucos, se ia apercebendo mais lucidamente da situação. Bastava a maneira de ela entrar para o angustiar. Mal penetrava no quarto, corria para a janela, sem sequer dar-se ao trabalho de fechar a porta atrás de si, apesar do cuidado que costumam ter em ocultar aos outros a visão de Gregório, e, como se estivesse pontos de sufocar, abria precipitadamente a janela e ali ficava a apanhar ar durante um minuto, por mais frio que fizesse, respirando profundamente.

Duas vezes por dia, incomodava Gregório com a sua ruidosa precipitação, que o fazia refugiar-se, a tremer, debaixo do sofá, durante todo o tempo, ciente de que a irmã certamente o pouparia a tal incómodo se lhe fosse possível permanecer na sua presença sem abrir a janela.

Certa vez, coisa de um mês após a metamorfose de Gregório, quando já não havia por certo motivo para assustar-se com o seu aspecto, apareceu ligeiramente mais cedo do que era habitual e deu com ele a ver à janela, imóvel, numa posição em que parecia um espectro. Gregório não se surpreenderia se ela não entrasse pura e simplesmente, pois não podia abrir imediatamente a janela enquanto ele ali estivesse, mas ela não só evitou entrar como deu um salto para trás, diria que alarmada, e bateu com a porta em retirada.





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