Capítulo 17 Também a arte dionisíaca deseja convencer-nos da eterna alegria da existência. Não devemos, entretanto, procurar tal alegria nos fenômenos, mas sim atrás dos fenômenos. Devemos reconhecer que tudo aquilo que existe deve estar preparado para uma dolorosa submersão , vemo-nos obrigados a fitar os males da existência individual — e apesar disso não nos devemos deter; um consolo metafísico tira-nos momentaneamente da agitação das figuras que sói mudarem. Somos realmente, por poucos momentos, o próprio ser primitivo, sentindo seu desenfreado desejo e prazer de existência. A luta, a dor, a destruição dos fenômenos se nos apresentam como necessárias, em vista do excesso de inúmeras formas de existência, que se apressam para tomar parte da vida, em virtude da demasiada fecundidade da vontade do mundo; vemo-nos traspassados pelo aguilhão furioso destas dores no mesmo momento em que nos tornámos uno com o imenso prazer primitivo na existência e em que pressentimos a inquebrantabilidade e a eternidade deste prazer em encanto dionisíaco. Apesar do medo e da compaixão, somos os que vivem ditosamente, não como indivíduos, mas sim como o uno vivente, com cuja prolificidade nós nos fundimos.
A história da origem da tragédia grega diz-nos agora com certeza luminosa que, efetivamente, a obra de arte trágica dos gregos se originou do espírito da Música; pensamento pelo qual cremos, pela primeira vez, fazer justiça ao primitivo e prodigioso sentido do coro. Ao mesmo tempo, porém, devemos confessar, que nunca se tornou visível aos poetas gregos, e muitos menos aos filósofos gregos, a significação citada do mito trágico; seus heróis falam mais superficialmente do que agem, o mito não encontra na palavra falada a sua objetivação adequada.