Debaixo da janela, alguém cantava. Winston espiou para fora, protegido pela cortina de musselina. O sol de junho ainda boiava alto nos céus, e no pátio ensolarado uma mulher monstruosa, sólida como uma pilastra normanda, com formidandos antebraços avermelhados e um avental de aniagem na cintura, caminhava entre uma tina de lavar e um varal, estendendo uma porção de panos quadrados em que Winston reconheceu fraldas. Sempre que não tinha a boca cheia de prendedores, cantava, com poderosa voz de contralto:
«Foi apenas uma fantasia desesperada,
Que passou como um dia de abril,
Mas um olhar, uma palavra, e os sonhos provocados,
Roubaram o meu coração gentil!»
Havia semanas que a canção estava em voga em Londres. Era uma das músicas sem conta, publicadas para os proles, por uma sub-secção do Departamento de Música. As letras eram compostas, sem intervenção humana, num instrumento chamado versificador. Mas a mulher cantava com tamanho sentimento que transformava aquela horrível pieguice num som quase agradável. Winston podia ouvir a mulher cantando e o ranger dos sapatos no chão de laje, gritos de crianças nas ruas, e às vezes, na distância, o regougo esmaecido do tráfego, e no entanto o quarto parecia curiosamente mudo, por causa da ausência da teletela.
Loucura, loucura, loucura! tornou a pensar. Era inconcebível que pudessem frequentar aquele lugar por mais de algumas semanas sem serem descobertos. Mas a tentação de ter um esconderijo que fosse verdadeiramente deles, dentro de casa, à mão, fora demasiada. Durante algum tempo após a visita ao campanário da igreja, não tinham podido se encontrar. As horas de trabalho tinham sido drasticamente aumentadas, à espera da Semana do ódio.