de atividade, quando o grande orgasmo se aproximava trêmulo do clímax e o ódio geral contra a Eurásia se condensara em tamanho delírio que a multidão teria certamente esquartejado com as unhas os dois mil prisioneiros de guerra eurasianos cujo enforcamento público se realizaria no último dia - exatamente nesse momento, fora anunciado que a Oceania não estava em guerra com a Eurásia. Estava em guerra com a Lestásia. A Eurásia era aliada.
Evidentemente, não se admitiu modificação alguma. Apenas se fez saber, de forma inesperada e em toda parte ao mesmo tempo, que a inimiga era a Lestásia e não a Eurásia. Winston estava participando de uma demonstração numa praça central de Londres quando o fato ocorreu. Era noite, e os rostos brancos e as bandeiras escarlates estavam banhadas na luz dos refletores. A praça fora tomada por vários milhares de pessoas, inclusive um bloco de mil escolares com o uniforme dos Espiões. Na plataforma enfeitada de vermelho arengava à massa um orador do Partido Interno, homenzinho magro com braços desproporcionadamente longos, e uma cabeçorra calva sobre a qual dançavam algumas melenas. Figura de um conto fantástico, contorcido de ódio, agarrava com uma das mãos o pescoço do microfone, enquanto com a outra, enorme no extremo do braço ossudo, gadanhava o ar, ameaçadoramente. A voz, metalizada pelos amplificadores, catalogava incessantemente atrocidades, massacres, deportações, pilhagens, violações, tortura de prisioneiros, bombardeio de civis, propaganda mentirosa, agressões injustas, tratados desrespeitados. Era quase impossível escutá-lo sem se deixar convencer, primeiro, e depois enlouquecer. Com intervalo de alguns momentos a fúria da multidão fervia e a voz do orador era afogada por um rugido feroz, selvagem, subindo incontrolável de milhares de gargantas.