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Capítulo 21: XIII

Página 224
XIII

Mal chegou a casa, Rodolphe sentou-se bruscamente à escrivaninha, debaixo da cabeça de veado posta na parede à maneira de troféu. Mas, quando pegou na pena, não foi capaz de escrever nada, de modo que, apoiando-se nos dois cotovelos, se pôs a reflectir. Emma parecia ter recuado para um passado longínquo, como se a resolução por ele tomada tivesse estabelecido subitamente entre os dois um imenso intervalo.

Para tornar a evocar qualquer coisa dela, foi procurar no armário, à cabeceira da cama, uma velha caixa de biscoitos de Reims, onde tinha o hábito de meter todas as cartas de mulheres. De dentro saiu um cheiro de poeira húmida e rosas murchas. Primeiro, encontrou um lenço de bolso, coberto de gotinhas desmaiadas. Era um lenço dela, de uma vez que, a passear, deitara sangue pelo nariz; já nem se lembrava. Havia depois, dobrado em todos os cantos, o retrato oferecido por Emma; o trajo pareceu-lhe pretensioso e o olhar, afectado, do mais deplorável efeito; depois, à força de olhar para aquela imagem e de evocar a recordação do modelo, os traços de Emma foram-se-lhe pouco a pouco confundindo na memória, como se a figura viva e a figura pintada, roçando-se uma na outra, se tivessem reciprocamente apagado. Finalmente, leu cartas dela; estavam cheias de explicações referentes à viagem, breves, técnicas e insistentes como cartas comerciais. Quis rever as longas, as de outrora; para encontrá-las no fundo da caixa, Rodolphe desarrumou todas as outras; e, maquinalmente, pôs-se a remexer aquele monte de papéis e de coisas, encontrando a trouxe-mouche ramalhetes, uma liga, uma máscara negra, a1fmetes e cabelos - cabelos!, escuros, iouros; alguns, até, presos à ferragem da caixa, partiam-se quando a abria.

Reflectiu e depois acrescentou:

Nunca a esquecerei, acredite-me, e terei sempre por si uma profunda dedicação; mas, um dia, mais tarde ou mais cedo, este ardor (é essa a sorte de tudo o que é humano) reduzir-se-ia, sem dúvida! Surgir-nos-ia o enfado, e quem sabe se até eu não passaria pelo atroz sofrimento de assistir aos seus remorsos e de participar eu próprio neles, por ter sido o causador de tudo.

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Capa do livro Madame Bovary
Páginas: 382
Página atual: 224

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
PRIMEIRA PARTE – I 1
II 12
III 22
IV 29
V 36
VI 40
VII 46
VIII 54
IX 66
SEGUNDA PARTE – I 79
II 90
III 97
IV 112
VI 126
VII 140
VIII 150
IX 175
X 186
XI 196
XII 209
XIII 224
XIV 234
XV 246
TERCEIRA PARTE – I 255
II 271
III 282
IV 285
V 289
VI 307
VII 325
VIII 339
IX 357
X 366
XI 373