Justin de pé, mantinha a cabeça baixa enquanto o farmacêutico gritava:
- Quem te mandou ir buscá-lo ao cafarnaum?
- Então o que foi? Que há?
- O que foi? - respondeu o boticário. - Estamos a fazer compotas; elas estão a cozer, mas iam transbordar por causa da fervura demasiado forte; mando-o buscar outro tacho. Então ele, por indolência, por preguiça, vai ao meu laboratório e tira do prego onde está pendurada a chave do cafarnaum!
Era o nome que o boticário dava a um gabinete que tinha, no sótão, cheio de utensílios e mercadorias da sua profissão. Muitas vezes ali ficava sozinho longas horas, a colar rótulos, a transvasar, a atar embrulhos; e considerava-o não um simples armazém, mas um autêntico santuário, donde surgiam depois, elaboradas pelas suas mãos, todas as espécies de pílulas, pomadas, tisanas, loções e poções, que espalhariam a sua fama pelos arredores. Ninguém ali podia pôr os pés; e tinha-lhe tanto respeito que eraele próprio quem o varria. Enfim, se a farmácia, aberta a toda a gente, era o sítio onde exibia o seu orgulho, o cafarnaum era o refúgio onde, concentrando-se egoisticamente, Homais se deleitava no exercício das suas predilecções; por isso o despropósito de justin lhe parecia uma monstruosidade de irreverência, e, mais rubicundo do que as groselhas, continuava a repetir:
- Pois, do cafarnaum! A chave que tranca os ácidos e os alcalis cáusticos! Ir buscar um tacho de reserva! Um tacho com tampa! Um tacho de que talvez nunca venha a servir-me! Tudo tem a sua importância nas delicadas operações da nossa arte! Mas, que diabo!, há que fazer distinção e não utilizar para usos quase domésticos o que se destina aos farmacêuticos! É como se fôssemos trinchar uma galinha com um escalpelo, como se um magistrado.