Emma conhecia-a de um extremo ao outro; sabia que depois de um pasto havia um marco, depois um álamo, um palheiro ou uma casota de cantoneiro; às vezes, até, para se surpreender a si mesma, fechava os olhos, mas nunca perdia a noção do sítio onde se encontrava e da distância a percorrer.
Por fim aproximavam-se as casas de tijolo, o chão ecoava debaixo das rodas, a Andorinha deslizava por entre jardins onde se viam, por uma abertura, estátuas, um miradouro em caracol, arbustos recortados e um baloiço. Depois, num relance, aparecia a cidade.
Descendo toda em anfiteatro e mergulhada em nevoeiro, alargava-se confusamente para além das pontes. A campina tornava depois a subir monotonamente até tocar, ao longe, a base indecisa do céu pálido. Assim vista de cima, toda a paisagem tinha o aspecto imóvel duma pintura; os navios ancorados amontoavam-se num canto; o rio fazia uma curva redonda na falda das colinas verdes e as ilhas, de forma alongada, pareciam enormes peixes escuros imóveis à superfície da água. As chaminés das fábricas lançavam imensos rolos de fumo negro, que se desfaziam pela extremidade. Ouvia-se o fragor das fundições, juntamente com o claro repique das igrejas que se perfilavam na bruma. As árvores das avenidas, despidas de folhas, formavam emaranhados violáceos no meio das casas e os telhados, reluzentes com a chuva, brilhavam em socalcos, segundo a altura dos bairros. Às vezes, uma rajada de vento arrastava as nuvens para a encosta de Santa Catarina, como vagas aéreas que se quebrassem em silêncio contra uma falésia.
Para Emma, desprendia-se qualquer coisa de vertiginoso daquelas existências amontoadas, inundando-lhe abundantemente o coração, como se as cento e vinte mil almas que ali palpitavam lhe enviassem, todas ao mesmo tempo, o vapor das paixões que ela lhes atribuía.