com uma crueldade desenfreada, dispostos a arrancar dele a esperança e o medo, as dores da sua fadiga e a sua ânsia de repouso: o que significa esmagar, destruir, aniquilar, tudo o que ele viu, conheceu, amou, gozou ou odiou; tudo o que não tem preço e constitui uma necessidade - a luz do Sol, as recordações, o futuro -, o que significa varrer por completo da sua vista o mundo inteiro, precioso, com o simples e espantoso acto de lhe tirar a vida.
Jim, incapacitado para o serviço, pela queda de um mastro, no início de uma semana de que mais tarde o seu capitão, um escocês, costumava dizer: «Caramba, para mim é um autêntico milagre que o barco se tenha aguentado», passou muitos dias estendido na cama, entorpecido, esgotado, desesperado e atormentado, como que caído no fundo de um abismo de inquietação. Não lhe importava a forma que o fim tomaria, e nos seus momentos lúcidos sobrestimava a sua indiferença. O perigo, quando invisível, tem o vago imperfeito do pensamento humano. O medo torna-se indistinto; e a imaginação, a inimiga dos homens, a mãe de todos os terrores, por falta de incentivo, desce a abrigar-se no embotamento da emoção exaurida. Jim via apenas a desordem da sua cabina sacudida pelo temporal. Para ali estava, alquebrado, no meio de uma devastação em ponto pequeno e sentindo-se secretamente feliz por não ser obrigado a subir ao convés. Mas de vez em quando um ímpeto de angústia irreprimível oprimia-o fisicamente: cortava-lhe a respiração e fazia-o contorcer-se debaixo da roupa, e então a brutalidade irracional de uma existência sujeita ao sofrimento indizível causado por essas sensações enchia-o do desejo desesperado de lhes escapar a todo o custo. Depois o bom tempo voltou, e nunca mais pensou russo.
Não melhorava, porém, do acidente que sofrera na perna, e quando o navio entrou num porto do Oriente teve de ser internado no hospital.