Uma corrente de ar, vinda do lado da proa e provocada pela deslocação do barco, atravessava incessantemente a longa escuridão entre as altas amuradas, varria as filas de corpos deitados de borco; alguns globos de iluminação estavam pendurados aqui e ali sob as vigas mestras, e nos vagos círculos de luz que deles caía, ligeiramente trémulos por causa da vibração ininterrupta do barco, viam-se um queixo espetado, duas pálpebras fechadas, uma mão escura com anéis de prata, um membro descarnado tapado com uma cobertura esfarrapada, uma cabeça atirada para trás, um pé descalço, uma garganta descoberta e esticada como que a oferecer-se ao punhal. Os abastados tinham construído abrigos para as suas famílias com caixotes e montes de velhas cordas poeirentas; os pobres repousavam lado a lado com tudo o que possuíam no mundo atado num farrapo, debaixo da cabeça; os velhos homens solitários dormiam com as pernas dobradas, sobre as esteiras em que se ajoelhavam para rezar, com as mãos sobre as orelhas e um cotovelo de cada lado da cara; um pai, com os ombros erguidos e os joelhos à altura da testa, dormitava abatido junto de um rapaz que dormia deitado nas suas costas com o cabelo desgrenhado e um braço estendido em atitude de comando; uma mulher coberta da cabeça aos pés com um pedaço de lençol branco, como um cadáver, tinha uma criança nua em cada braço; os haveres do chefe árabe, empilhados à ré, formavam um pesado montão, cujos contornos se apresentavam em linhas cortadas, com uma lanterna de bordo oscilando por cima e uma grande confusão de formas vagas por detrás: vislumbravam-se as panelas de cobre ventrudas, um suporte para os pés, uma cadeira de descanso, ferros de lanças, a bainha de uma velha espada apoiada muito direita contra um monte de almofadas, o bico de uma cafeteira de estanho.