Capítulo V «Oh, sim. Assisti ao inquérito», dizia ele, «e até hoje ainda estou admirado de lá ter ido. Sinto-me inclinado a acreditar em que cada um de nós tem um anjo da guarda, se os meus amigos quiserem admitir que todos temos também um demónio pessoal. Quero que o admitam, porque não gosto de me sentir uma excepção em coisa nenhuma, e sei que o tenho - o Demónio, está claro. É verdade que nunca o vi, mas ando à procura de uma evidência circunstancial. Ele existe com certeza, e, malicioso e mal intencionado como é, deixa-me cair no logro destas aventuras. Que aventuras?, perguntar-me-ão. Então, esta do inquérito, o caso do cão amarelo - nunca pensariam que a um tinhoso de um cão nativo seria permitido andar a pisar as pessoas na varanda de um tribunal, pois não? É género de coisas que, por caminhos tortuosos, inesperados, verdadeiramente diabólicos, me obrigam a correr ao encontro de homens marcados por fraquezas, de homens marcados pela dureza, de homens marcados por males secretos, por Deus!, e lhes desata a língua assim que me vêem para me fazerem as suas infernais confidências; como se eu, ora vejam lá, não tivesse confidências a fazer a mim próprio, como se eu - assim Deus me ajude - não tivesse bastantes informações confidenciais a meu respeito para atormentar a minha alma até ao fim dos meus dias. E ainda gostava de saber que teria eu feito para me darem esta preferência! Confesso que estou tão cheio de preocupações pessoais como qualquer outro e que a minha memória é igual à média da dos peregrinos deste vale de lágrimas. Por aqui já vêem que não sou especialmente competente para receber confissões. Então porque é que isso me sucede? Não faço ideia, a menos que seja para ajudar a passar o tempo depois do jantar.