XVFechando-se no quarto que lhe deram para pernoitar, Henrique de Souselas sentiu poucas disposições de dormir. Uma profunda excitação impedia-lhe o repouso; em parte era devida às ocorrências daquela noite, tão fora dos seus hábitos de vida; em parte, digamo-lo em verdade, à influência dos vinhos com que secundara os brindes do conselheiro, e com que ele próprio iniciara outros.
A imaginação, excitada como estava, cada vez entre outras imagens, lhe representava mais bela a de Madalena. A espécie de hostilidade permanente, com que a Morgadinha o tratava, ainda mais parecia seduzi-lo.
Nos poucos dias que passara na aldeia, havia Henrique, com novos hábitos, adquirido uma maneira de ver e de julgar as coisas e as pessoas, diferente da que lhe era habitual na cidade, no círculo de amigos, com quem convivia; assim foi que abjurou tacitamente, e sem dar por isso, certo cepticismo convencional, que uma antipática escola conseguiu pôr muito na moda.
Graças a estas melhoras morais, tão verdadeiras nele como as físicas, as quais até o constante pensamento das doenças lhe haviam dissipado, pudera ele considerar Madalena como uma mulher superior ao tipo pelo qual a mencionada escola costuma modelar o sexo; e aceitou sem má prevenção a aberta sinceridade daquele carácter simpático, que descrevia com entusiasmo nas suas cartas a um dos seus mais íntimos amigos de Lisboa.
Tais estados de convalescença são, porém, sujeitos a recaídas.
Neste dia, véspera de Natal, recebera ele a resposta àquelas cartas, e sob as impressões com que ficou da leitura tinha vindo para o Mosteiro.
O amigo ria-se, com todo o elegante cepticismo de um homem da moda, da candura e da ingenuidade de Henrique. Dizia-se sinceramente penalizado à vista dos profundos estragos que alguns dias de província tinham operado nele.