XXVIIIA casa e a quinta dos Canaviais, desabitadas depois da morte da velha morgada, madrinha de Madalena, era uma sombria residência, situada num dos mais ermos e melancólicos lugares da aldeia.
O tempo, cuja acção não contrastada se exercera livremente nelas, viera aumentar o aspecto soturno que desde a origem apresentava esta casa, enegrecendo-lhe as paredes, revestindo-lhe de erva os telhados, de musgo as padieiras e as junturas da pedra, e povoando-lhe de morcegos e de corujas os buracos dos muros.
Enfim, a superstição popular terminara a obra, fazendo divagar as almas do outro mundo por aquelas salas e corredores vazios, e nas ruas daquela quinta, entregue à natureza.
A defunta morgada, que não se recolhera à aldeia senão depois de ter gozado na capital de todos os esplendores da vida das cidades, e brilhando nas mais concorridas e elegantes salas do seu tempo, gozava nesta pequena terra, onde passara o resto da vida, de uma fama de espírito forte, que, em grande parte, concorrera para generalizar a opinião de que a sua alma andava ainda penando por cá.
Contavam-se entre o povo anedotas absurdas, em relação aos anos da mocidade da morgada. A imaginação popular fazia a biografia daquela senhora, colorindo-a com as tintas maravilhosas com que costuma fantasiar a vida dos grandes centros, de que vive afastada.
A morgada, que só renunciou ao mundo quando os espelhos começaram a falar-lhe da vaidade das glórias que repousam nos encantos da beleza, passou, como sucede muitas vezes, de um extremo a outro extremo, e da vida elegante às práticas de devoção.
Nos Canaviais ouvia missa todos os dias, confessava-se todas as semanas, comungava todos os meses, sem contudo resignar absolutamente os hábitos de elegância de que já fizera uma necessidade natural.