XXX Ao voltar a casa, na companhia de Pedro e de Daniel, Clara caminhava silenciosa e triste. Os dois irmãos não se achavam com mais ânimo do que ela para tentar conversa.
Pedro ia pensativo e desassossegado com o súbito incómodo da sua noiva, e Daniel, ainda sob o domínio das comoções recebidas aquela noite, que, entre memórias agradáveis, lhe deixara alguma coisa do amargor dos remorsos.
Sem terem trocado uma só palavra, chegaram assim à porta das duas irmãs. Uma luz do quarto de Margarida era sinal de que ela não dormia ainda.
Clara, erguendo para ali os olhos, suspirou. Parecia estar invejando o sossego daquela vigília, a paz da consciência que velava assim. Ao despedir-se de Clara, Pedro disse-lhe afectuosamente:
- Boas-noites, Clarinha; amanhã espero encontrar-te melhor.
Daniel aproximou-se dela também.
- Sossegue - disse-lhe. - Não se assuste. Tenha confiança em mim; asseguro-lhe que pode estar tranquila.
E, como a rapariga o fitava, com um gesto de estranheza e de interrogação, acrescentou:
- Sim; então não vê que sou médico? Afirmo-lhe que pode estar descansada; adeus.
E separaram-se.
De todos os três posso assegurar que nenhum teve bom sono.
Pedro toda a noite lidou com o receio de que o incómodo de Clara fosse de gravidade; vieram-lhe à imaginação as mais negras apreensões a respeito do futuro do seu amor; a cada momento levantava a cabeça do travesseiro para espreitar se, através das frestas da janela, já aparecia a primeira luz do alvorecer. Em Daniel foi uma luta do senso íntimo que o não deixou repousar.
Odiava-se e acusava-se com severidade, por haver, de alguma sorte, abusado deslealmente da confiança de seu irmão; mas, cedo, deixava de ouvir esta voz da consciência,