XXXIVUma noite, depois de dormido o primeiro sono, ergueu-se Pedro, como solícito proprietário, para ir rondar um pinhal, distante de casa, onde, segundo informações recebidas, se tinham ultimamente praticado alguns roubos de pinheiros.
Ao vê lo sair, o criado mais velho da casa, o mesmo ao qual vimos Daniel disposto a fazer compreender a teoria dos eclipses, quis acompanhá-lo.
- Deixe-me ir consigo, Sr. Pedrinho.
- Vai-te daí, homem; eu não sou nenhuma criança, para precisar companhia.
- Mas...
- Deita-te; já te disse.
E o noivo de Clara saiu, de espingarda ao ombro, e assobiando uma toada popular.
Apesar da quase certeza que tinha de se não encontrar àquela hora com o principal e constante objecto dos seus mais gratos pensamentos, dirigiu o itinerário, com prejuízo da economia de tempo, pela rua em que morava Clara.
É que é já um prazer contemplar os muros, a cujo abrigo se sabe repousar a mulher que se ama; prazer inocente, entre os que mais o são, e que, desde tempos imemoriais, os amantes saboreiam.
Fique a leitora sabendo que, muitas vezes, enquanto dorme, se lhe estão fixando nas janelas, desapiedadamente cerradas e obscuras, os olhos amorosos de algum desses tresnoitados passeadores.
À medida que se aproximava do lugar, que o obrigara a este rodeio, ia diminuindo Pedro a velocidade da marcha.
Chegou perto do muro do quintal e insensivelmente parou.
Lembrou-lhe que bem podia ser que, apesar do adiantado da hora, Clara estivesse acordada, pensando nele talvez. Que amante deixaria de fazer, nas mesmas circunstâncias, iguais suposições?
Como meio de verificação, pôs-se a cantar:
Meia-noite, tudo dorme,
só eu não posso dormir;
Pois não me deixa este amor,
Que me fizeste sentir.