XXXVI As vagas apreensões do reitor, em relação a Daniel, comunicaram- se a Margarida, e nela adquiriram maior intensidade. As afeições arreigavam-se profundamente naquele bom coração; baldado era impedir que viessem à luz e florescessem; a cada momento, recebiam elas uma vida nova e desenvolviam-se, como estas árvores que, cortadas todos os anos, rebentam a cada primavera, brotando jovens renovos.
Vão lá cobrir de gelo um coração assim. Tem vida de sobra para todo o fundir em lágrimas e inflamar-se depois ainda.
Tendo salvado a irmã, a generosa rapariga só tinha, agora, orações para pedir ao Senhor a salvação de Daniel. De si esquecera-se!
- sublime esquecimento!
Cumprindo o que dissera, pusera-se o reitor em caminho, a procurar Daniel. Levava o coração apertado o bom do pároco, ao atravessar os lugares, onde, segundo os seus cálculos, mais provável seria encontrá-lo.
Muitos desses lugares eram os mesmos, que, havia anos, seguira com uma intenção análoga, - a de espiar os passos do seu pequeno discípulo, que já então mostrava o que viria a ser.
Lembrava-se agora o reitor daquele dia, e de como fora encontrar o rapaz no mais remoto sítio da aldeia, em diálogo pueril com a pequena pastora, que hoje, por notável coincidência, tão intimamente se achava ligada ao seu destino.
Não sei que ideias associadas estas trouxeram consigo, que, muito contra o que era de esperar, o reitor pôs-se a sorrir.
Dir-se-ia que estava entrevendo um desenlace feliz a todo este enredo e que, a pensar naquilo, se esquecera das críticas circunstâncias presentes.
Mas as ideias negras voltaram cedo a assombrar-lhe o semblante.
- Que será feito do rapaz? - dizia o padre consigo. - Esta gente da cidade é tão sujeita a loucuras! É ver aquele infeliz de que falaram as folhas do Porto, que, não sei por que histórias de amores, se atirou das Virtudes abaixo.