XXXIX Ao abrir as janelas do seu quarto de dormir e ao franquear os pulmões ao ar fresco da madrugada, a Sr.ª Teresa, a fiel esposa do nosso conhecido João da Esquina, recebera, de mistura com o perfume das flores, que andava nos ares, não sei que cheiro de escândalo, de lhe desafiar a curiosidade.
Para estas coisas tinha inquestionavelmente a Sr.ª Teresa um sexto sentido, apurado como nenhum dos outros.
Segundo era seu costume, quando percebia em si tais manifestações, pegou na cesta da meia, e veio tomar assento por detrás do mostrador e entre as sacas de arroz da loja de seu marido.
A menina Francisca, aquela mesma trigueira celebrada em octossílabos por Daniel, viera sentar-se também ao lado de sua mãe. Era a primeira vez que tal sucedia, depois dos episódios que terminaram as visitas do estouvado clínico.
Com os seus olhos travessos, e o sorriso malicioso já de volta aos bem talhados lábios, valeu naquele dia aos pais uma afluência maior de fregueses à loja.
A cada nova personagem que entrava, a Sr.ª Teresa dirigia, com um sorriso de afabilidade, a pergunta sacramental:
- Então que se diz de novo?
E de cada vez esperava achar justificada a voz do instinto de escândalo, que, naquela manhã, tão alto berrava em si.
Por muito tempo foram, porém, malogradas estas esperanças.
Mas, aí pelas nove horas, entrou na loja o sacristão da freguesia, a comprar cigarros - porque o Sr. João da Esquina, como é costume nas terras pequenas, vendia tudo, desde o doce de chá, até à vela de sebo; e os cigarros entravam também na lista dos objectos do seu negócio.
Era este sacristão um rapaz de cara rapada, e tipo de velhacaria, sempre em olhares e suspiros diante da menina Francisca, em quem estes sintomas de afecto não encontravam demasiado agrado.